22 de março de 2008

Neve em Ijuí RS - Brasil





Foi numa sexta-feira, dia 20 de agosto de 1965, que Ijuí foi acordada por um fenômeno meteorológico muito raro na região, ainda mais considerando a precipitação acumulada que foi fantástica. Aconteceu um dia de neve, como é vista nas paisagens localizadas mais aos extremos do continente. A cidade ficou tomada pelos flocos brancos. Os telhados, as calçadas, os automóveis, tudo enfim, ganhou tons monocromáticos. Assim como as fotos também em preto e branco que foram tiradas aos milhares para imortalizar aquele momento inédito. A matéria veiculada no Correio Serrano, do dia seguinte ao evento, registra que as escolas liberaram os alunos e o mesmo aconteceu com o comércio. Todos os que suportaram o frio intenso, aproveitaram para apreciar a cidade coberta de neve.

Mas, neste dia, nem todos os expectadores eram comuns. O fotógrafo, na época principiante no universo das imagens, Ildo Weich, teve um olhar diferenciado sobre o acontecimento. Desde às sete da manhã, ele foi chamado para os primeiros cliques. "Como eu trabalhava no jornal de dia e no laboratório e estúdio fotográfico à noite, eu estava muito cansado quando a nevasca começou", conta Weich. Ligia Weich, esposa do fotógrafo, relata que quando acordou não acreditou no que estava vendo. "Eu me horrorizei, olhei para o pátio e não tinha mais árvores...era tudo esbranquiçado, disse para o Ildo são pingos brancos, ele olhou e falou, mas isso é neve". Weich fotografou o dia inteiro. "De repente voltava todo molhado e trocava de roupa", conta Lígia. Ildo tirou ao todo dez rolos de filmes 6x9 com a sua Ansco de fole, que ele não possui mais. Perdeu-se no tempo. A neve tão intensa em Ijuí,. como explica o meteorologista Eugênio Hackbart, foi possível pela combinação de gigantescas massas polares do Pólo Sul, que atravessaram a Cordilheira e a Argentina, com a intensa umidade do ar na região, "o que resultou no espetáculo que entrou para a história".

Não faz mais frio como antigamente

Quando lembramos que nevou em Ijuí, logo pensamos no inverno de 2006 que teve dias muito quentes e comentamos: não se faz mais frio como antigamente. Segundo o meteorologista da Metsul Meteorologia, Eugênio Hackbart, isso não deixa de ser verdade. Ele explica que o clima no Rio Grande do Sul registra, em intervalos de mais ou menos 30 anos, no inverno, ciclos de frio e ciclos de calor. O episódio de intensa neve ocorrido em 1965, em toda a região Noroeste, Planalto, Campos de Cima da Serra, segundo consta no livro A Neve do Brasil, de Nilson Pedro Wolff, faz parte de uma série de registros das décadas de 50, 60 e 70, anos em que o ciclo de ar frio era muito intenso. No entanto, segundo Hackbart, contrariando o posicionamento de muitos pesquisadores, não dá para interpretar que o calor destes últimos invernos seja motivado pelo aquecimento global. O planeta conforme ele explica já passou por períodos de calor e frio mesmo antes do processo de industrialização e desmatamento. "É bem possível que passemos logo a vivenciar uma temporada de várias décadas de invernos rigorosos novamente, por causa de um novo ciclo de frio, que deve iniciar", alerta Hackbart. Ele conta que em 1974, a Folha de São Paulo publicou que estávamos entrando em uma nova era glacial. Para ele, isso mostra que as pessoas estavam convictas de que o planeta estava numa tendência de congelamento, o que não se confirmou.

A neve consagrou o fotógrafo iniciante

A trajetória do fotógrafo Ildo Weich não foi fácil. Desde que descobriu que queria trabalhar atrás das lentes muito aconteceu, mas o que mais marcou, certamente, foi a persistência e a vontade de se transformar num bom profissional. "A minha primeira câmera foi uma Ansco, troquei-a por um toca-discos que encontrei e reformei", conta o guri curioso, como se autoproclama. Logo que começou a fotografar, revelar e fazer cópias, ficou muito entusiasmado. "Foi uma novidade, era como uma bicicleta para uma criança, fiquei empolgado, vendo as imagens aparecerem". Ildo tinha 17 anos e trabalhava no jornal Correio Serrano e no final-de-semana fotografava pessoas e casas em construção. "Aí vinha meu atrevimento, eu dizia que tinha sido enviado pelo construtor e vendia as fotos".

Mas quando tudo andava bem um raio caiu sobre seu laboratório e ele perdeu tudo. Abriu a Foto Cisne, mas teve todo o seu equipamento roubado e mais uma vez voltou para o jornal. Em 65, após comprar a Foto Schmitt, já utilizando técnicas como pintura a óleo e aquarela, a sorte voltou a brilhar. "Com a neve recebi tanto filme que minha carreira deslanchou". Só nos dois primeiros dias entraram mais de 220 rolos, o que rendeu trabalho por dois anos. Foi um negócio da China, ou melhor, do Pólo Sul. Foi a salvação do fotógrafo principiante que partiu para o profissionalismo.

Publicado originalmente em 19 de agosto de 2006 pelo Jornal da Manhã de Ijuí. Texto de Janis Loureiro e fotos de Ildo Weich com autores desconhecidos.